terça-feira, 16 de abril de 2013

Enquanto eles dormem

Adoro ver os meus filhos mexerem-se com energia e destreza. A Catarina a correr, saltar, dançar. O Vicente a gatinhar, pôr-se em pé, escalar. Parecem não ter medo de nada. Atiram-se, corajosos, para a frente. Exploram o mundo em redor. Testam o corpo sem se cansarem nunca.
 
Adoro ver os meus filhos rirem. A Catarina mostra os dentes todos de cima. O Vicente mostra os dois únicos dentes de baixo. Tanto ele, como ela têm um riso fácil e lindo. Os dois, juntos, riem à gargalhada um do outro e um para o outro.
 
Adoro ver os meus filhos comerem. Comem com prazer. Saboreiam. Fazem "hummm". Repetem. Os olhos brilham perante um prato que sabem que vão gostar. Mastigam e deglutem com uma satisfação que eu quase consigo senti-los a crescer: oiço as vitaminas e os nutrientes a chegarem aos sítios certos; vejo os ossos e os músculos a esticarem; acredito que os neurónios se estão a multiplicar.
 
Mas o que eu gosto mais de os ver fazer é dormir. À noite, com a casa em silêncio e a meia-luz, antes de me ir deitar, fico deslumbrada a olhar para eles.
 
A Catarina destapada, em cima dos bonecos, com um braço e uma perna para cada lado, o cabelo espalhado na almofada. Tapo-a, desvio os bonecos, tiro-lhe o cabelo da cara. Ela balbucia qualquer coisa, como "brincar", "escola", "amigos", "sim", "não" e mastiga em seco.
 
O Vicente completamente na horizontal no meio da cama, todo encolhido, de barriga para baixo, apesar de eu o ter deitado de barriga para cima. Toco-lhe suavemente na testa só para saber se está quente ou frio. Ele suspira.
 
E é só então que sinto o meu castelo seguro, o meu reino tranquilo. E o meu coração pode, enfim, descansar.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Sete meses para ter um nenuco




Com sete meses e meio, o Vicente já come sopa, já tem um dente, já se senta, já gatinha, já dorme a noite toda na cama dele, já ri muito mais do que chora. Com sete meses e meio, o Vicente já é o bebé imaginado. Redondo, cor-de-rosa, macio, a encher-me o colo, a interagir com tudo e com todos.

Não percebo qual é a ideia de os bebés nascerem tão feios e frágeis e chatos. Sei que estiveram nove meses dentro de água, três dos quais bem apertados e, por isso, nascem enrugados e manchados. Sei que o tamanho da cabeça do bebé tem de ser adaptado à pelve da mulher e que num perímetro cefálico de 30 e poucos centímetros não pode caber tanto desembaraço como seria desejável. Sei que os bebés trazem nos genes o hábito de chorar por tudo e por nada porque quando os humanos viviam na selva era preciso chorar (muito) para manter as feras à distância. Eu sei isso tudo, mas não era mais fácil se os recém-nascidos tivessem a aparência e o humor de um bebé de sete meses?

Ninguém está preparado para o choque que é um bebé a contorcer-se e a chorar o dia inteiro, pendurado na mama a toda a hora, inconsolável, indecifrável. É impossível estar. Não há fotos deles. Nos anúncios e nos livros, os bebés aparecem  sentados, sorridentes, reluzentes. Os recém-nascidos estão sempre a dormir placidamente e, muitas vezes, deitados sobre uma manta branca felpuda ou vestidos de abelha ou dentro de uma flor… Se os recém-nascidos fossem naturalmente fofinhos não precisariam do aparato todo que se vê nas fotos de Anne Geddes.

O bebé real só pensa na mãe, só quer estar com a mãe e não há mais nada que lhe interesse. E isso tem tanto de maravilhoso como de loucura. É uma responsabilidade assustadora. Quando o Vicente mamava em exclusivo, lembro-me de pensar: "Não posso ficar doente, se não ele fica sem comer". O peso é gigante. E o cansaço também. Para "ajudar", há dores nas costas e falta de tempo para dormir, comer e tomar banho em condições. 

O consolo é pensar que passa rápido. O problema é que quando começa a passar está na altura de ir trabalhar.

Não faz sentido nenhum a licença de maternidade, em Portugal, ser tão curta: quatro meses a receber o salário a cem por cento; cinco meses a receber o salário a 80 por cento; seis meses a receber o salário a cem por cento se um dos meses for gozado pelo pai. Entre os cinco e os seis meses de vida do bebé, a mãe está estafada, mas é então que ele começa a retribuir, com juros, retroativos e duodécimos. É nesta altura que o bebé se torna a fofura irresistível gravada no imaginário de qualquer menina. E é nesta altura que é suposto deixá-lo aos cuidados de outra pessoa. Ou seja, temos o trabalho todo e perdemos a melhor parte.

Há a possibilidade de tirar mais três meses de licença por progenitor pagos a 25 por cento. Como se fosse um luxo. Estes três meses não podem ser considerados um luxo. São absolutamente necessários para a mãe e para o bebé. É o tempo mínimo para mãe e filho namorarem à vontade. Sem cansaço extremo. Sem pressas. Sem preocupações. Tal e qual como imaginámos que fosse quando nos puseram um nenuco nos braços pela primeira vez.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

A mais bela história de amor


Ela viu-o nascer. Ele deu-lhe o seu primeiro sorriso. Assim que ela entra na sala, o rosto dele ilumina-se. Sempre que ele tem cocó na fralda, ela é a primeira a dar conta. É um amor enorme, que se vê à distância, que preenche todos os bocadinhos da nossa casa e das nossas vidas.

Eu tenho irmãos, eu sei o que é o amor entre irmãos, mas vê-lo assim, do lado de cá, é outra coisa. 

A Catarina passa os dias a dizer ao Vicente que o ama. Desfaz-se em declarações de amor. Diz frases que eu não faço ideia onde vai buscá-las. Põe a voz mais fininha e acaba tudo em inho: "És o meu amorzinho!", "Gosto tanto de ti maninho!", "Ai este bebezinho é tão fofinho!", "Adoro estes pezinhos!"… Outras vezes, mostra que está já a pensar no futuro: "Nunca vamos discutir!", "Vou gostar de ti para sempre!". E houve até um dia em que, no meio dos chorrilhos amorosos, lhe saiu um "quero casar contigo!". Mas depressa corrigiu, rindo-se: "Estava a brincar, sei que não podemos". E enquanto está nesta verborreia apaixonada abraça-o e aperta-o e beija-o, com tanto entusiasmo e força que me deixa a mim aflita e a ele todo contente.

O Vicente passa os dias a virar a cabeça à procura da Catarina. Assim que ouve a voz da irmã põe-se em alerta, de pescoço esticado, a ver se a vê. Ri-se à gargalhada com as conversas dela. Esbraceja e esperneia de alegria se ela faz um simples "cucu!". Acho que basta ela piscar os olhos para ele se derreter. É uma adoração mágica aos seis meses de idade.

Nunca me passou pela cabeça ficar só com um filho. Acho que irá sempre faltar tanta coisa aos filhos únicos. Não há escola privada, nem roupa e brinquedos novos, nem férias paradisíacas que compensem a ausência de amor fraterno. Esta ligação única e eterna a alguém que sabe exatamente de onde viemos, que tem os mesmos hábitos e cheiros, que conhece o nosso dialeto. 

Seria impensável privar um filho meu de tudo isto. E a mim de assistir e participar no crescimento desta história de amor.